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Tototós podem desaparecer mesmo sendo patrimônio cultural e imaterial de Sergipe

Por Juliano Góis - DRT 2282/SE em 19/09/2024 às 07:00:00

Apesar do reconhecimento oficial (Lei nº 7.320/2011), as tototós e seus barqueiros enfrentam grandes dificuldades e apagamentos. Grande parte deles teme que as históricas embarcações que fazem a travessia Aracaju-Barra dos Coqueiros estejam com os dias contados por conta da falta de atenção dos poderes públicos.

"Quem fez a Barra dos Coqueiros foram as tototós, porque foi através delas que transportavam os materiais de construção, alimentos ou qualquer outra coisa para lá" lembra o barqueiro Erick Praxedes. "Lá" é a antiga Ilha de Santa Luzia, município da Barra dos Coqueiros, uma cidade ao mesmo tempo tão perto e tão longe da capital.

As tototós são barcos de madeira motorizados, com aproximadamente três metros de largura e 15 metros de comprimento, cujo nome faz referência ao barulho emitido pelo seu motor.

Sobre a importância das tototós para a construção da Barra, o barqueiro Erick tem razão: durante muitos anos, essas embarcações foram o único meio de transporte para Aracaju, assim como a principal fonte de subsistência de pescadores, barqueiros, comerciantes e da população em geral.

O mérito das tototós foi oficialmente reconhecido em dezembro de 2011 quando a então deputada estadual Ana Lúcia (PT) apresentou um projeto que reconhecia os barcos e a atividade como patrimônio cultural e imaterial de Sergipe. A Assembleia Legislativa aprovou e o então governador Marcelo Déda (PT) sancionou a Lei nº 7.320.

Apesar do reconhecimento oficial, na prática, as tototós e seus barqueiros enfrentam grandes dificuldades, apagamentos, mas resistem como podem. Grande parte deles teme que essas embarcações estejam com os dias contados por conta da falta de atenção dos poderes públicos.

"Acho que daqui há uns dez anos as tototós vão acabar, porque não tem incentivo e nossas atividades estão cada vez mais defasadas. Para conseguir algum lucro eu tenho que conciliar as tototós com outro emprego", afirma Erick.

O artigo 2º da Lei nº 7.320/2011 diz que as tototós sempre desempenharam importante papel no transporte de passageiros nas bacias hidrográficas do estado, "não devendo ser esquecidas da memória dos sergipanos".

"Antigamente, se nascia e morria por aqui"

Vários pesquisadores também apontam a importância das tototós e destacam que os primeiros registros de desenvolvimento da Ilha de Santa Luzia ocorreram exatamente em razão da importância das embarcações.

Existem também relatos de tototós fazendo a travessia de Barra dos Coqueiros para Santo Amaro das Brotas; outras no município de Laranjeiras. Há muitos registros no baixo São Francisco, especialmente Neópolis, Propriá, Gararu e em vários municípios de Alagoas, a exemplo Penedo, Piaçabuçu, Porto Real do Colégio, entre outros. Na parte Sul de Sergipe é forte a tradição das tototós em Indiaroba, cortando o rio Real entre Pontal/SE e Mangue Seco/BA.

"Antigamente, se nascia e morria por aqui", recorda Ednaldo dos Santos, 60 anos, apontando para sua embarcação. A fala engasgada dele é uma espécie de síntese do que falam os poucos barqueiros que ainda restaram no atracadouro das tototós e que fica localizado à beira do Rio Sergipe, entre o Mercado Central de Aracaju e o Porto da Barra.

Ednaldo já perdeu as contas de quantas travessias já fez levando e trazendo mercadorias, móveis, materiais de construção, pessoas doentes, mulheres grávidas, recém nascidos e até mesmo caixões para enterros.

O historiador e pesquisador Silvaney Silva defende que as memórias coletivas são essenciais para a construção e ressignificação da História. Elas permitem que o passado se manifeste no presente, embora com novos significados e utilidades. No caso das tototós, para ele, o passado deveria servir como um farol para orientar os governantes no desenvolvimento e fortalecimento das comunidades ribeirinhas e pescadoras.

"As tototós e todo o complexo patrimonial que giraram em torno do seu funcionamento podem servir para gerar renda para os pescadores, os donos dos veículos aquáticos e os comerciantes em geral. Tudo isto aliado a um projeto sustentável de turismo, história, memória, cultura, patrimônio, empreendedorismo e mídias digitais", defende o professor e mestre em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Para Silvaney, é preciso ampliar a ideia de patrimônio para se tratar das "tototós", considerando o meio de transporte de todo um complexo patrimonial, os fatos históricos que ocorreram nesse espaço de memória, o Rio Sergipe, a antiga Alfândega, a capital, a Ilha de Santa Luiza. "Não se pode desvincular, por exemplo, as tototós do mercado modelo de Aracaju, sem este talvez aquelas não tivessem sentido" destaca o professor.

Hoje, as poucas pessoas que ainda fazem a travessia Aracaju-Barra por meio das tototós são moradores antigos da Barra dos Coqueiros e alguns poucos turistas que avistam as embarcações de longe e resolvem se aproximar por curiosidade.

De acordo com os barqueiros, os turistas chegam sem nenhuma instrução do que são as tototós e atravessam somente pelo passeio em si. Não há divulgação sobre as embarcações pelas prefeituras, pelas agências de turismo e governos, elas também não estão incluídas nos roteiros turísticos de Aracaju ou da Barra dos Coqueiros. "Não vem muito turista, só alguns gatos pingados, um casal ou dois. Não tem nada para ver aqui né? Não tem lugar de embarque e desembarque decente, não tem nenhum atrativo. O Governo e a prefeitura nunca tiveram interesse em fazer nada para o canoeiro," destaca o barqueiro Pedro dos Santos, 61 anos.

Construção da ponte e abandono das tototós

Os poucos barqueiros que ainda resistem entre Aracaju e Barra dos Coqueiros são unânimes em afirmar que o esquecimento das tototós se deu com mais força depois da inauguração da ponte que ligou os dois municípios em dezembro de 2006.

"Depois dala, não existe mais valorização, só destruição. João Alves (ex-governador) sempre trabalhou para fazer isso. O grande João Alves, entre aspas, sempre trabalhou para acabar com os barqueiros", desabafa Pedro.

Ele reforça a reclamação da falta de apoio das Prefeituras da Barra dos Coqueiros e de Aracaju, além do Governo do Estado. Ele lembra que, no período de construção da ponte, até se falou de indenização para compensar as perdas dos barqueiros. Até hoje eles nunca receberam nada e se sentem abandonados, esquecidos.

Pedro dos Santos lembra que assim que soube da ponte, tentou chamar a atenção de alguns políticos para que as tototós não fossem deixadas de lado, mas foi completamente ignorado. Antes da ponte, eram dezenas de embarcações que faziam uma frenética travessia Aracaju-Barra, de domingo a domingo. Hoje, só quatro tototós resistem e ficam atracadas por dia no porto.


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